Uma interpretação das cidades através dos espaços públicos
“Temos ainda muitos problemas de compreensão sobre o que é nosso e o que é coletivo. Parece existir pouco cuidado com o que é comunitário, pois a cultura do não comprometimento é muito forte”. Ana Laura Vianna Villela, mestre em Planejamento Urbano e Regional
“Nós temos quer ser parceiros. Só o Poder Público não faz. Sozinhos, nós também não fazemos”. Ângelo Carlos Bastiani, presidente da Associação Amigos do Parque Alberto FinDimensões do espaçoNa concepção de Milton Santos, que foi um geógrafo e pesquisador na área da urbanização no Brasil, o espaço público deve ser considerado como uma totalidade. Não pode ser formado apenas pelas coisas, pelos objetos geográficos, naturais e artificiais. A sociedade também deve ser considerada, pois é no espaço que a vida se torna possível, onde se desenvolvem atividades, o convívio e as trocas entre os grupos diversos que compõem a sociedade urbana.As áreas por consequência estão diretamente relacionadas com a formação de uma cultura que agrega e compartilha entre indivíduos cada vez mais cercados. “Estamos amontoando pessoas e não dando extravasamento para as relações sociais, que se estabelecem basicamente nos espaços públicos”, alerta Ana. A meta sugerida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é de 12 m² de área verde por habitante na área urbana, mas muitos espaços são locados pelo raio de ação.“A sociedade também deve ser considerada, pois é no espaço que a vida se torna possível.” Milton Santos, geógrafo e pesquisador“Levando em conta que as praças têm atendimento local, qual a distância razoável para uma criança percorrer? Três ou quatro quadras. Esse é o raio de uma praça. Depois ela para de atender parte da comunidade, então já teria que ter outra”, exemplifica a arquiteta. Se a cada dez quarteirões desses raios existissem esses espaços, seria algo talvez não ideal, contudo interessante. “Já os parques têm dimensões maiores e funções diferenciadas e é aí que entra uma das grandes críticas ao Ecoparque de Chapecó”, expõe a professora.Além do Complexo Verdão e do Alberto Fin, Chapecó possui os Parques das Palmeiras, Palmital, Área Verde Vila Páscoa e Ecoparque. O parque urbano é uma área verde com função ecológica, estética e de lazer, no entanto, com uma extensão maior que as praças e jardins públicos. De acordo com o Conselho Nacional do Meio Ambiente, considera-se área verde de domínio público o espaço que desempenhe função ecológica, paisagística e recreativa, propício para a melhoria da qualidade estética, funcional e ambiental da cidade.“No Ecoparque, você nem pisa no local e já tem uma placa dizendo que não pode quase nada. Ou seja, não tem quase lugar para ir e um dos poucos que tem apresenta diversas proibições. Então, qual a função de um espaço público? Claro que é um lugar bonito, mas é muito restrito”, argumenta Ana.A estudante de administração Yane Ribeiro mudou recentemente de Curitiba para Chapecó. Notou principalmente o número reduzido de espaços para caminhar, sentar na grama, andar de bicicleta e levar seus animais de estimação passear. O local mais próximo de sua casa é o Ecoparque. “E eu não posso sentar na grama que tem lá”, lamenta a jovem. Ela e mais cinco amigos também saíram para aproveitar o sol no primeiro fim de semana de tempo aberto após uma temporada de chuva em Chapecó. Fizeram um pequeno piquenique no Complexo do Verdão, onde é possível se acomodar pela grama, sem problemas.Em meio ao grupo, o funcionário público Marcus Ribeiro sugere mais atrações ao ar livre. A secretária de Cultura de Chapecó Roselaine Vinhas afirma, porém, que a instabilidade do tempo tem prejudicado a promoção de eventos abertos na cidade. Segundo ela, a Secretaria apoia e incentiva iniciativas culturais ao ar livre, mas destaca que é preciso existir interesse dos produtores culturais em realizar esse tipo de ação.Uma experiência bem sucedida, de acordo com a secretária, são as atividades realizadas no Centro de Artes e Esportes Unificados da cidade (CEU). O projeto CEU Aberto para as Artes tem realizado diversos eventos envolvendo arte e cultura, como apresentações, debates, mostras literárias e de cinema, programas de leitura, oficinas de capacitação técnica e artística.Mobilidade de ideiasUm exemplo nacional que funciona muito bem nesse sentido são asViradas Culturais. Além da ocupação do espaço público através das apresentações, os vendedores ambulantes deixam esse tipo de evento aberto mais diverso, para além da música. Precisam, é claro, de incentivos da iniciativa privada e do Poder Público para acontecer, mas dependem principalmente da presença do público para legitimar os projetos e os investimentos.Para começar, no entanto, não é necessário muito, desde que haja mobilização. “Na cidade onde eu morava todo o primeiro sábado do mês tinha uma série de apresentações culturais na praça. Acho que em Chapecó falta incentivo, porque capacidade, dinheiro, espaço e talento tem”, instiga Marcus.Já o administrador Diego Roskoff, que junto aos amigos se despede do tão esperado sol, cobra mais infraestrutura. “O Verdão, por exemplo, um lugar grande, com tantas pessoas, não tem opções para comprar uma água, não tem bancos para acolher quem chega. Isso é qualidade de vida”, aponta o jovem, lembrando que o lazer também faz parte do plano de vida dos chapecoenses.Em Puerto Madero, famoso bairro de Buenos Aires, o lazer foi levado tão a sério que se tornou atração turística, além de uma forma de ocupação muito bem sucedida. Depois que o porto ficou obsoleto, a região passou por um projeto de reurbanização. Em 1989, o designer Frances Philippe Starck reestruturou parte do lugar, que hoje tem o metro quadrado mais caro da Argentina. À margem do canal existe uma espécie de calçadão que permite caminhadas ao ar livre e, restauradas, as docas se transformaram em residências, bares, restaurantes, cinemas e escritórios. Grandes áreas verdes totalmente voltadas ao lazer completam a estrutura do local.Isso mostra, portanto, que a mobilidade de ideias e de indivíduos é o que dá vitalidade aos espaços públicos. Pois são esses ambientes, como praças e parques, que refletem a qualidade de vida de uma comunidade, principalmente no momento em que se estuda e se fala tanto em cidades feitas para pessoas.O que diz o novo Plano DiretorDe acordo com o diretor de Planejamento e Gestão Nemésio Carlos da Silva, a partir do novo Plano Diretor de Chapecó, os loteamentos devem destinar no mínimo 35% de sua área para ruas, áreas institucionais (espaços destinados a praças e parques, equipamentos públicos e uso comum) e áreas verdes. Desse percentual, no mínimo 15% deve ser área institucional e verde. A área verde não pode ser inferior a 6% do total.Fonte: http://revistaflashvip.com.br/ha-vida-la-fora/Reportagem: Greici AudibertFotos: Gabriel Spenassatto